Índios visitam antigos aldeamentos e são recebidos com festa em assentamento de Querência (MT)

Índios Kĩsêdjê percorreram durante quase uma semana o Rio Suiá-Miçu para registrar e mapear locais de relevância histórica, recursos materiais, caça e pesca. Confira abaixo o relato produzido por Rosely Alvim Sanches e Angelise Nadal, assessoras do Instituto Socioambiental (ISA), que acompanharam a comitiva juntamente com a antropóloga Marcela Coelho, da Universidade de Brasília (UnB). As três foram convidadas especialmente para participar da expedição e ajudaram os indígenas no registro e identificação de cada lugar visitado.

Quase quarenta anos depois que os índios Kĩsêdjê foram levados para o Parque Indígena do Xingu (PIX), uma expedição fluvial organizada pelo presidente da Associação Indígena Kĩsêdjê, Winti Suyá, e liderada pelo cacique Kuiussi levou-os de volta a reconhecerem antigos aldeamentos e acampamentos, no município de Querência (MT).

Partindo das aldeias Ngohjwêrê e Roptotxi, no Rio das Pacas, no dia 14 de maio, uma caravana composta por 30 pessoas, entre indígenas, pesquisadores e assessores do Instituto Socioambiental (ISA) e da Universidade de Brasília (UnB), percorreu durante seis dias o Suiá-Miçu. O rio é um importante afluente da margem direita do Xingu e a região de seus tributários faz parte do território tradicional Kĩsêdjê desde antes do século XVIII.

A viagem teve como objetivo chegar a um dos antigos aldeamentos mais antigos situado no Rio Suiazinho (ou Hore nhõ ngô), um dos formadores do Suiá-Miçu. No local, nasceram alguns dos mais velhos entre Kĩsêdjê, como Mbentumtxi Suyá, 85 anos, a mais idosa da expedição. A região mantém-se recoberta por mata nativa e bem preservada em relação a outros trechos localizados ao longo dos demais rios que formam o Suiá-Miçu.

Em 2005, uma oficina de trabalho, promovida pelo ISA, reuniu a comunidade indígena (jovens e idosos) para registrar e mapear os locais de relevância histórica, recursos materiais, caça e pesca. A partir daí, surgiu a necessidade de realizar uma expedição para checar e caracterizar as localidades e fazer a coleta de alguns recursos naturais utilizados para o artesanato, como o Hore, por exemplo, espécie de taquarinha muito apreciada para a confecção de flexas e que dá nome a um dos locais visitados.

Durante a expedição, foram feitos a descrição, o registro oral, fotográfico e em vídeo, além da gravação das coordenadas em GPS de cada sítio histórico citado pelo cacique e os mais velhos da comitiva. Entre os mais de 130 locais registrados, aparecem lagos importantes para a pesca, praias de descanso, roças antigas, cemitérios, terras pretas (muito férteis pela decomposição de materiais orgânicos de restos de antigos povoamentos) e locais de concentração de vários tipos de materiais para a confecção de artesanatos. Em alguns momentos da viagem, o sentimento foi de tristeza pelas mudanças em várias das localidades, sobretudo a destruição da floresta, que deu lugar a pousadas, fazendas e pequenas vilas.

Senhor Menin, do assentamento Brasil Novo, é entrevistado pelos índios Kĩsêdjê. Expedição abre novas possibilidades para diálogo entre índios e não-índios.

Todo o material produzido na viagem será editado junto com os Kĩsêdjê, mas seu destino ainda será discutido. No momento, ainda maravilhados pelas várias cenas e achados, os índios estão repassando em detalhes à comunidade o relato de cada fato, reencontro e histórias que viveram.

A expedição também foi um marco: os índios foram recebidos com alegria e um churrasco preparado pelos parceleiros do assentamento Brasil Novo. A caravana pousou uma noite na casa do anfitrião, senhor Menin. No dia seguinte, visitou o lote do agricultor e as iniciativas de restauração de matas ciliares que estão sendo promovidas no local pela campanha ‘Y Ikatu Xingu, que pretende proteger e recuperar as nascentes e matas ciliares do Rio Xingu no Mato Grosso. A expedição deixa, assim, como legado, novas possibilidades de diálogo e de conhecimento entre índios e não-índios, numa região onde esse encontro era impensável até pouco tempo atrás. O assentamento também foi um antigo aldeamento dos Kĩsêdjê, local de nascimento do cacique Kuiussi, por exemplo.

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