Projeto movimenta coleta e venda de sementes em São José do Xingu

Povo Yudjá e agricultores familiares estão fornecendo sementes para campanha ‘Y Ikatu Xingu. Médios e grandes produtores rurais começam a proteger e recuperar suas matas ciliares por conta própria.

Por Oswaldo Braga de Souza, do ISA.

Até há alguns anos seria quase impossível imaginar uma iniciativa que aliasse geração de renda para comunidades indígenas e reflorestamento de grandes propriedades rurais. Ainda mais no nordeste do Mato Grosso, onde o desmatamento transformou-se numa ameaça às nascentes do Rio Xingu e, por causa disso, aos moradores do Parque Indígena do Xingu (PIX). Mas a situação começa a mudar.

Já foram comprados do povo Yudjá, que habita o parque, e de dez agricultores familiares cerca de 900 quilos de sementes de 25 espécies nativas da região, como o jatobá, a amescla, a peroba e o carvoeiro. Serão reflorestadas áreas de sete propriedades, com mais de 5 mil hectares, e mais duas áreas do assentamento Yamim, todas às margens do Rio Paturi e de suas nascentes, em São José do Xingu. Um trecho do córrego São José também vai ser recuperado dentro da cidade. O trabalho faz parte do projeto Recuperando as nascentes e matas ciliares: um exemplo de concertação intersetorial, da campanha ‘Y Ikatu Xingu, que pretende proteger e recuperar as nascentes e as matas ciliares do Rio Xingu no Mato Grosso.

“Fizemos várias reuniões para decidir vender as sementes para a campanha. A comunidade acha um trabalho importante. Estamos preocupados com as nascentes”, diz Yabaiwá Yudjá, presidente da Associação Yarikayu. Cerca de dez famílias das aldeias Paksamba, Pequisal e Tuba-tuba estão envolvidas no trabalho de coleta. “Achamos que futuramente a campanha trará bons resultados, com a recuperação de várias áreas. É isso que esperamos”, afirma. Yabaiwá lembra que as matas de beira de rio não são importantes apenas para evitar o assoreamento e garantir a qualidade da água, mas também como fonte de alimentação de vários peixes, por sua vez consumidos pelas comunidades.

Estão sendo feitos investimentos diretos no reflorestamento de 140 hectares – metade será realizada até o fim do ano. Um viveiro municipal também está sendo instalado e, só neste ano, deve produzir 25 mil mudas de árvores nativas. Mais 1,1 mil quilos de sementes serão compradas dos indígenas e agricultores. Até o fim do ano, as dez áreas demonstrativas devem ser cercadas. O plantio começou com a temporada das chuvas. A intenção é divulgar o exemplo e convencer mais produtores rurais da importância da preservação das matas de beira de rio.

E a idéia já começa a dar novos resultados. Mais dez grandes proprietários já foram contatados e estão dispondo-se a negociar o reflorestamento de vários trechos de matas ciliares. Eles arcariam com os custos do plantio, das mudas e sementes em troca de assessoria técnica. Outros produtores de São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu vão receber a mesma proposta.

“Não dá para afirmar ainda que já existe um comércio, um mercado de sementes na região. A venda é pequena diante do que se tem para fazer e do potencial de coleta. Mas as coisas estão caminhando para crescer”, conclui Cassiano Marmet, assessor da campanha ‘Y Ikatu Xingu. Ele explica que cada local exige um trabalho diferente de recuperação. “Estamos comprando por encomendas limitadas e levamos em conta o tamanho e a espécie das sementes, além da mistura delas que precisaremos em cada área”.

Questão de tempo

Algumas pessoas começaram a pagar pela coleta de sementes nativas por conta própria e já estão plantando. Luiz Carlos Nunes Castelo decidiu tirar dinheiro de seu bolso e começou a cultivar florestas às margens dos cursos de água de sua fazenda Bang Bang, com 13 mil hectares e 3,5 mil cabeças de gado, antes mesmo da vinda campanha para São José do Xingu. Há três anos, ele iniciou o trabalho para regularizar a situação ambiental da propriedade, que já tinha parte de suas Áreas de Preservação Permanente (APPs) desmatadas antes de ser adquirida por ele. Um ano atrás, foi convidado para vender carne para o grupo Pão de Açúcar e começou a participar de um outro projeto, o Tear, uma parceria entre a rede de supermercados e o Instituto Ethos. A idéia é conferir um selo de qualidade chamado “Melhor Natureza” a fornecedores que desenvolvam, com apoio do projeto, ações socioambientais em suas empresas.

“A informação que tenho é que o consumidor final ainda não está resolvido a pagar um pouco mais por um produto diferenciado. Mas é questão de tempo. Os grandes atacadistas já estão procurando”, avalia o agropecuarista, que está recuperando 102 hectares, com o custo de R$ 124 mil, e pretende fazer o mesmo com mais 240 hectares, usando 47 espécies nativas. Ele calcula que o selo deve significar um acréscimo de cerca de 10% no preço final de seu produto.

Um viveiro construído na fazenda já forneceu 16 mil mudas. Nas horas vagas e finais de semana, os funcionários deverão produzir nos próximos meses mais 70 mil mudas. Eles recebem R$ 1,00 por cada uma. Com o apoio do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), estão sendo promovidos na propriedade cursos para os funcionários e também abertos à comunidade de viveirismo, reflorestamento, manutenção de tratores, embutidos e defumados, entre outros.

Agora a fazenda também é parceira da campanha, que vai ceder assessoria técnica e parte das sementes para a reposição florestal de 25 hectares às margens de dois córregos. O produtor entra com o cercamento das áreas, mudas e mais sementes. “Quando comecei este trabalho, estava buscando conhecimento sobre o assunto. Fiquei sabendo da mobilização e isso me deu muito ânimo”, diz Castelo. Ele teve problemas em alguns locais e vai ter de refazer o trabalho em parte deles por falta de assistência técnica. Em certos casos, a tentativa de recomposição da mata com o uso de dejetos florestais como adubo não deu certo, noutros muitas mudas perderam-se. “Mas fomos participando de capacitações e aprendendo com nossos erros”, lembra Marta Jeane de Carvalho, gerente da fazenda.

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