Icco promove a visita de estudantes holandeses a iniciativas socioambientais na Bacia do Xingu

Sete estudantes da Holanda e representantes da Organização Intereclesiástica para o Desenvolvimento (Icco) estiveram na região da Bacia do Xingu, de 13 a 19 de agosto. Os estudantes holandeses fazem parte de um programa da Icco, que trata do tema mudanças climáticas, denominado Fair Climate.

Por Sara Nanni, do ISA

Iniciativas socioambientais em assentamentos e pequenas propriedades rurais, a realidade de uma aldeia indígena, uma fazenda produtora de soja e muitos quilômetros de estrada de chão batido estiveram no roteiro da visita de sete estudantes da Holanda e representantes da Organização Intereclesiástica para o Desenvolvimento (Icco) à região da Bacia do Xingu, de 13 a 19 de agosto.

Os estudantes holandeses fazem parte de um programa da Icco que trata do tema mudanças climáticas, denominado Fair Climate. Por esse motivo, eles são chamados “embaixadores do clima” e têm a missão de disseminar os conhecimentos que foram apreendidos durante a visita para as escolas, universidades, famílias e igrejas de seu país de origem. A Icco, sediada em Utrecht, na Holanda, é uma das instituições apoiadoras da Campanha Y Ikatu Xingu e parceira do Instituto Socioambiental (ISA).

Antes de irem a Canarana, os holandeses estiveram em Brasília, onde conversaram com Mercedes Bustamante, especialista em biodiversidade do Cerrado e professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), e Carlos Gurgel, do Laboratório de Gaseificação de Biomassa, também da UnB. Ainda em Brasília visitaram o escritório do ISA, o Museu Juscelino Kubitscheck e o Memorial dos Povos Indígenas, onde foram recebidos por Marcos Terena.

Estudantes holandeses visitam casa de sementes, em Canarana
Estudantes holandeses visitam casa de sementes, em Canarana

Em Canarana, os estudantes conheceram a casa de sementes e o viveiro de mudas – construído pelo ISA em parceria com a prefeitura – e também a fazenda de Terezinha Goldoni, no Garapu, onde há experimentos com agrofloresta, plantio de mudas e de sementes de forma manual e mecanizada. Eles também tiveram uma reunião com Eliane Felten, secretária de agricultura do município, e receberam informações sobre o processo de colonização e a estrutura fundiária da região. No município de Querência, aconteceram visitas à Escola Família Agrícola (Emfaque), à aldeia Ngôjwêre, ao Projeto de Assentamento (PA) Brasil Novo e à Fazenda Tanguro. Diferentes realidades para contextualizar a situação do desmatamento no Mato Grosso, e apresentar algumas soluções criadas para minimizar esse problema. Toda a visita foi acompanhada por Luciano Eichholz, engenheiro florestal e técnico do ISA.

No escritório do ISA, em Canarana, os estudantes conheceram os princípios que norteiam a Campanha Y Ikatu Xingu, antes de irem a campo presenciar a realidade dos projetos e das iniciativas apoiados pela campanha. Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu, falou, entre outros assuntos, sobre uma das estratégias da campanha, que é o incentivo à responsabilidade socioambiental compartilhada para a recuperação e conservação dos recursos naturais da Bacia do Xingu. Ele expôs a necessidade dessa responsabilidade ser dividida entre os índios, as ONGs, os pesquisadores, os ruralistas, os agricultores familiares e o poder público. Durante sua palestra, Junqueira falou sobre a legislação ambiental brasileira e os principais conflitos que envolvem a questão da adequação ambiental das propriedades rurais.

Na quinta-feira, dia 14, o grupo seguiu para o município de Querência, onde visitou a Emfaque e foi recebido pela diretora Lenir Tieker e professores. A Emfaque trabalha com seus alunos – a maioria filhos de pequenos agricultores familiares – a “pedagogia da alternância”. Eles passam 15 dias na escola e 15 dias em casa praticando aquilo que aprenderam em sala de aula. “Esse sistema é uma solução para nossa região, onde os assentamentos estão distantes das escolas e os alunos perdem muito tempo dentro do ônibus”, explicou Tieker aos holandeses. Com o incentivo da Campanha Y Ikatu Xingu, a escola realiza experimentos com agrofloresta e recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Os estudantes da Holanda ficaram entusiasmados com uma informação dada pela diretora da escola: as crianças que freqüentam a Emfaque já conseguem motivar os pais a não cortarem as árvores das suas propriedades e plantarem espécies nativas.

Primeiro contato -
Nesse mesmo dia, os visitantes seguiram viagem para a aldeia Ngôjwêre, localizada na Terra Indígena Wawi, área próxima ao Parque Indígena do Xingu, onde foram recebidos pelos índios Kisêdjê. No dia 15, uma reunião com as lideranças da aldeia ofereceu a oportunidade para os estudantes ouvirem o que os índios têm a dizer a respeito das mudanças observadas na natureza. “Eu nasci aqui. Quando eu era novo eu não via nada desmatado, tudo era floresta. Agora a mata está só ali na beirinha do rio. Eu vi os brancos chegarem, invadirem essas terras, montarem as fazendas e destruírem tudo. A chuva não cai mais na época certa. A queimada deixa a temperatura mais quente e por isso nossas roças são prejudicadas e nossa alimentação está ficando fraca. Dizem que os índios também acabam com as matas e queimam tudo. Mas a gente não faz isso e sempre buscamos preservar a mata e, por isso, onde a gente está continua existindo a mata”, falou Tony, irmão do cacique Kuiussi.

Os holandeses, que ouviram atentamente as falas dos índios, contaram um pouco das suas preocupações com relação às alterações no clima. Disseram que na Holanda eles não têm proximidade com a natureza para perceber as mudanças que ocorrem, na mesma medida com que os índios as acompanham. Além disso, enfatizaram que no país deles não há desmatamento porque tudo já foi desmatado. Judith Grootscholten, da Icco, concluiu a fala dos estudantes agradecendo a hospitalidade dos índios e a oportunidade de trocar idéias com eles. “É uma experiência muito valiosa e impressionante passar a noite na aldeia e compartilhar as refeições com vocês”, disse Grootscholten. “Muitas pessoas já estão conscientes dos efeitos das mudanças climáticas e nós da Icco pensamos que aqueles que têm atitudes destrutivas devem pagar pelos danos que causam ao planeta, e que esses recursos sejam revertidos para os países subdesenvolvidos e que mais sofrem com as mudanças climáticas”, complementou.

Agricultura familiar - No sábado, dia 16, os holandeses foram até o Projeto de Assentamento (PA) Brasil Novo, também em Querência, onde conheceram Sêo Armando Menin e suas experiências com a Associação Agroecológica Estrela da Paz, que têm proporcionado retornos significativos na organização dos pequenos agricultores, além de colher os frutos da agrofloresta, conservando e recuperando áreas de APPs e Reserva Legal. “Hoje a agricultura familiar planta árvores e colhe alimentos para si através da agrofloresta. Eliminamos o veneno e o adubo químico, aprendemos a usar o adubo verde”, disse Menin aos estudantes. Ele contou que alguns associados da Estrela da Paz passaram a se dividir em grupos nos últimos anos para trabalhar com produtos e cultivos específicos. Há, por exemplo, o grupo da farinheira, do mel, da pinga, do açúcar mascavo e da seringueira.

Em contraste com tudo o que viram nos dias anteriores, os estudantes visitaram, no dia 17, a Fazenda Tanguro, onde conheceram parte da infra-estrutura da fazenda e as plantações de soja. A bióloga Artemizia Moita acompanhou o grupo e falou sobre o projeto de recuperação de 27 APPs existentes na fazenda, que totalizam 622 hectares.

Depois o grupo retornou a Canarana e foi até o Garapu conhecer a pequena fazenda de Terezinha Goldoni. Os técnicos do ISA Eduardo Malta, Osvaldo Luis de Sousa e Luciano Eichholz explicaram aos estudantes alguns experimentos em andamento na fazenda, como a agrofloresta, o plantio com mudas e plantio direto com sementes (manual e com máquina). O objetivo é comparar rendimentos e custos.

Estudantes visitam agrofloresta no Garapu acompanhados por técnicos do ISA
Holandeses visitam agrofloresta no Garapu, acompanhados por técnicos do ISA

A visita dos holandeses foi concluída com um sobrevôo em algumas áreas dentro do Parque Indígena do Xingu e no seu entorno. Antes de retornarem ao seu país, foram até Brasília para uma reunião com o embaixador da Holanda no Brasil para conversarem sobre políticas de cooperação entre os dois países para mitigar efeitos e impactos das mudanças climáticas. Reuniram-se ainda com Geraldo Siqueira, chefe de gabinete da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental.

Raimer Rodrigues Rezende, 30 anos, é brasileiro e mora na Holanda há sete anos, onde faz mestrado em políticas ambientais na Universidade de Utrecht. Foi numa conferência sobre mudanças climáticas em seu país, em dezembro de 2007, que ficou sabendo da viagem que seria feita ao Brasil e resolveu entrar para o programa Fair Climate da Icco, tornando-se também um embaixador do clima. Ele conta que, quando voltar à Holanda, escreverá artigos sobre o que viu na visita à região da Bacia do Xingu, e pretende publicá-los em sites e revistas que têm a ver com a América Latina. “Não basta cessar o desmatamento e o consumo de soja. O problema está no modelo de desenvolvimento e nos padrões de consumo que foram exportados pelos países ricos para todo o mundo. E agora é preciso apoiar a difusão de modelos alternativos de desenvolvimento”.

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