Artigo – A Campanha ‘Y Ikatu Xingu sob a lente da Sertão Feelmes

Pedro Novaes, diretor da produtora Sertão Feelmes, escreve um artigo sobre a Campanha ‘Y Ikatu Xingu após passar uma semana conhecendo os trabalhos de restauração florestal nos municípios da bacia do Xingu

Salve a Água Boa do Xingu – O Filme

Equipe da produtora Sertão Feelmes capta imagem do plantio mecanizado de sementes nativas em fazenda do município de Canarana, MT. Foto: Eduardo Malta

Grande medida das diferenças que hoje tenho com os ambientalistas diz respeito ao fato de que uma boa parte deles vive num mundo à parte, de um idealismo descolado da realidade, onde as coisas se definem em termos de tudo ou nada, de nós ou eles. E os problemas ambientais são reais e envolvem profundas contradições nos nossos modos de produzir e de viver, de tal maneira que, para operar mudanças concretas, não é possível falar em tudo ou nada, nem tampouco em nós ou eles.

Neste mundo ideal onde vive essa cepa de ambientalista não existem pessoas de fato, mas estereótipos e, óbvio, tipos ideais, tanto negativos quanto positivos. E nesta taxonomia, fazendeiros são necessariamente a encarnação do mal: pessoas que degradam os ecossistemas por um inato espírito maligno de quem, a la Darth Vader, sente prazer na destruição. De outro lado, há os ambientalistas bons, sempre com as mãos limpas.

Acontece, entretanto, que os propretários rurais – e muitos deles de fato em suas atividades geram impactos sobre o meio ambiente – são pessoas de carne e osso, seres humanos enfim. Como tal, sofrem do mesmo tipo de matizamento que os difere, indivíduo a indivíduo, a ponto de tornar cada um absolutamente singular, a despeito de compartilharem inúmeros traços em comum. E, surpresa, a maioria deles é composta por pessoas decentes e de bem, que desejam desfrutar de qualidade de vida e contribuir para um mundo melhor. Pessoas que, em geral, acham que estão fazendo a coisa certas, assim como nós, que não plantamos milho, nem criamos vacas, mas, não obstante, comemos a ambos.

E queira ou não esta espécie de ambientalista, o mundo em que esses proprietários rurais vivem é o mesmo que o nosso, onde todas as coisas são confusamente entrelaçadas, colocando, por exemplo, numa mesma cadeia de relações, o produtor de soja e eu, que consumo diariamente alguma quantidade de óleo de soja e eventualmente molho de soja, quando vou ao restaurante japonês saciar meu incontrolável apetite por sushis, a despeito de que me preocupem os impactos ambientais das lavouras de soja no mundo, o que borra a separação entre certo e errado, e obriga-nos honestamente a repensar o maniqueísmo que pauta muitas vezes o pensamento simplório que opõe eles a nós.

Processo de semeadura de espécies nativas é filmada pela equipe da Sertão Feelmes. Foto: Eduardo Malta

Pensando dessa maneira, é só o diálogo e a busca de convergências que apresenta uma saída séria, civilizada, democrática e honesta para a crise ecológica. E, pasmem, os proprietários rurais estão conscientes disso e, em geral, abertos para dialogar – ao menos a cepa deles que de fato vive para o campo e sofre na pele as demandas contraditórias que pesam sobre seus ombros, sintetizada na oposição muito real entre usar agora – os recursos naturais – ou poupá-los para as gerações futuras.

É uma visão nessa linha, mais complexa, e que ata um belo sonho e visão de futuro desejado ao conhecimento e aceitação da realidade presente, que guia aquela que, na minha opinião, é a mais bem sucedida iniciativa de preservação ambiental no Brasil: a Campanha Y Ikatu Xingu (ou “Salve a Água Boa do Xingu” em língua Kamayurá), uma ampla iniciativa, capitaneada pelo ISA – o Instituto Socioambiental -, mas que envolve dezenas de instituições dos mais diferentes matizes, em prol da proteção das nascentes e margens do Rio Xingu e seus afluentes.

Desde o início, a campanha constantou que um de seus grandes desafios residia no desenvolvimento de técnicas mais baratas e eficientes de reflorestamento, tendo em vista os altos custos e baixa eficiência das técnicas tradicionais de recuperação de áreas através do plantio de mudas. Quatro anos depois, os resultados são evidentes e altamente promissores: há hoje na região do Xingu uma área crescente de áreas onde cerrado e floresta estão sendo recuperados com plantio de sementes através de várias técnicas que dialogam diretamente com a realidade do produtor, sobretudo pelo uso do maquinário e de técnicas assemelhadas àquelas a que o fazendeiro está acostumado para o plantio de lavouras comerciais.

Nesta semana que passou, estivemos em Canarana (MT) e região, na parte alta da bacia do Xingu, rodando um filme que tem como objetivo disseminar estas técnicas de plantio florestal desenvolvidas pela campanha. É um vídeo didático que possibilitará ao proprietário rural efetivamente aplicar tais técnicas na recuperação de áreas em sua fazenda.

Foram cinco dias de gravações com uma equipe formada por mim, como diretor, Emerson Maia, como diretor de fotografia, Chico Macedo, na elétrica e maquinária, Marco Antonio Macaquinho, como assistente de câmera e técnico de som, e Sérgio “Alex” Mesquita, nosso motorista. Além disso, acompanharam-nos todo o tempo Eduardo Malta, Luciano Eichholz e Cassiano Marmet, da equipe técnica do ISA.

Preparo da muvuca de sementes nativas é filmado pela equipe da Sertão Feelmes. Foto: Eduardo Malta

O desafio é o de produzir um material ao mesmo tempo bonito, visualmente atraente, e que fale a linguagem do produtor rural. O resultado deve estar dentro de algumas semanas disponível.

A Sertão Feelmes orgulha-se em ser parceira do ISA e da Campanha Y Ikatu Xingu.

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