8° Encontro da Rede de Sementes do Xingu reúne 90 coletores e convidados especialistas em São Félix do Araguaia


Durante três dias, os coletores trocaram experiências entre si e com especialistas, apresentaram suas técnicas de limpeza e beneficiamento de sementes, discutiram a Legislação brasileira de sementes e refletiram sobre as alternativas para conquistar a autonomia da rede

Fernanda Bellei, ISA

A Rede de Sementes do Xingu realizou seu 8º encontro em São Félix do Araguaia, nos dias 7, 8 e 9 de julho. Na fala de cada um dos 90 coletores que participaram do evento, estava presente a disposição para encontrar o melhor caminho para conquistar a autonomia dessa iniciativa que chega a seu quarto ano com números imponentes: são 300 coletores em 22 municípios e em nove aldeias indígenas que já entregaram 53 toneladas de sementes do cerrado e da floresta para projetos de restauração de áreas degradadas.

Algumas das principais questões relacionadas ao trabalho dos coletores, como os cuidados com o beneficiamento e armazenamento de sementes para a comercialização, a influência da Legislação brasileira de sementes e a gestão de um negócio de base florestal, foram discutidas com a presença de especialistas, no primeiro dia do encontro.

Juliana Santilli, promotora de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e sócia-fundadora do Instituto Socioambiental (ISA), colocou em discussão a questão da valorização da agrobiodiversidade, que, segundo ela, está diretamente associada à diversidade cultural dos agricultores tradicionais. “Toda a diversidade de espécies agrícolas e agroflorestais que temos hoje no mundo existe porque os produtores estiveram sempre empenhados na seleção e no intercâmbio de espécies”.

Juliana Santilli fala sobre a agrobiodiversidade durante o 8 encontro da Rede de Sementes do Xingu. Fernanda Bellei, ISA

Assim como exalta a importância da agricultura tradicional no manejo de espécies agrícolas, Juliana também defende a valorização do trabalho dos coletores e produtores de sementes para a manutenção da biodiversidade, já que as sementes nativas são destinadas a restauração de áreas degradadas. “Acho que deveria existir algum tipo de apoio ou subsidio público para estimular a produção de sementes nativas para a restauração de áreas de preservação permanente e de Reservas Legais. O ideal seria criar uma política pública que viabilizasse isso”.

Profissionalização
Outra questão importante para a profissionalização da rede que, hoje, já recebe encomendas de sementes de diversas regiões do país, é garantir a qualidade do seu produto. Os cuidados com a limpeza e beneficiamento das sementes nativas foram abordados pela engenheira florestal Fátima Pina, professora da UFSCar de Sorocaba. Fátima participou da criação das principais redes de sementes do país e ressalta a importância dos cuidados no manejo. “Cada semente tem sua particularidade, precisamos entender as diferenças entre elas para saber como limpar, beneficiar e armazenar corretamente cada espécie”.

Coltores limpam e beneficiam sementes durante oficina prática. Foto Fernanda Bellei, ISA.


Durante uma oficina prática realizada no segundo dia do encontro, a professora deu espaço para que os coletores demonstrassem as técnicas de manejo que desenvolveram para facilitar o trabalho. “É incrível o que vocês já criaram aqui. O cortador de baru, as peneiras usadas para a limpeza e outros equipamentos desenvolvidos por vocês são ótimos exemplos de que é possível dinamizar o trabalho com as sementes”. Fátima também estimulou os coletores a calcularem o tempo gasto para beneficiar cada espécie, para que possam definir com maior precisão os valores das sementes comercializadas. “Precisamos levar em conta a distância percorrida para coletar e o tempo de beneficiamento de cada espécie para colocar o preço”.

Ronaldo Nogueira da Silva, coletor de Santa Cruz do Xingu, conta que sempre considerou seu investimento para coletar cada espécie. “Aprendi a calcular o tempo e o dinheiro que eu gasto para coletar e beneficiar cada espécie de semente. Acho importante que todo mundo faça isso, porque, às vezes, se a árvore está muito longe, não compensa coletar, podemos deixar para um colega que tem mais acesso àquela espécie”.

Conquista da autonomia
A busca da autonomia da rede é o principal desafio desta iniciativa de sucesso, que já gerou R$ 459 mil em renda direta para as famílias de coletores, através da venda de sementes. Atualmente, a rede é subsidiada pelas organizações que apóiam o trabalho, isto é, elas bancam os custos do transporte das sementes, dos encontros e da estrutura administrativa. O próximo passo para a consolidação da rede como um negócio independente e sustentável é definir um arranjo institucional em que as despesas com transporte, logística e comercialização das sementes não dependam mais de subsídio.

Para orientar este caminho rumo à institucionalização, os organizadores do encontro trouxeram um caso de sucesso: a FrutaSã, uma fábrica de polpa de frutas localizada no interior do Maranhão que compra frutos do cerrado de índios e produtores familiares, promovendo a geração de renda para mais de 350 famílias. Mike Arruda, diretor do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), organização não-governamental criadora do projeto, explica que a fábrica paga pelas frutas até 30% acima do valor de mercado. “Criamos a FrutaSã com o objetivo de implementar uma alternativa de geração de renda aliada a conservação do cerrado da região das terras indígenas do povo Timbira”.

Hoje, a FrutaSã é uma empresa que conta com uma equipe de campo e nove funcionários fixos na fábrica e que conseguiu isenção de ICMS para comercializar seus produtos oriundos da agricultura familiar. Mike ressalta a importância de se ter um bom plano de negócios para viabilizar a sustentabilidade do empreendimento. “Vejo que a Rede de Sementes do Xingu tem um enorme potencial, já que vocês contam com uma grande demanda. Mas é preciso que o plano de negócios tenha um bom estudo de viabilidade técnica, não só econômica”.

Os coletores também apostam no potencial da rede. Um deles é José Pereira de Araújo, do município de Peixoto de Azevedo. Coletor há quatro anos, ele entrega uma média de 60 quilos de jatobá por ano. “Acho que agora é a hora da rede mostrar que a rede tem inteligência própria. Precisamos mostrar nosso conhecimento, não podemos ser alunos a vida toda”.

O jovem Ayakanukala Waurá é coletor da aldeia Piyulaga, do povo Waurá, no Parque Indígena do Xingu. Sua comunidade entrou recentemente para a rede e já tem uma grande lista de espécies para entregar. “Acredito que a rede tem tudo para dar certo. Minha comunidade está preocupada com a água, pois o rio está secando muito e está enchendo na hora errada. A gente quer entregar sementes para poder reflorestar a beira do rio para sempre ter água”.

Arão Pinheiro, do município de Canarana, é um dos primeiros coletores da rede. Ele também acredita que a rede pode ser autônoma e até arrisca um palpite para a institucionalização. “O ideal seria se a rede se tornasse uma empresa agregada a uma associação. Aí, os parceiros continuariam nos apoiando e nós continuaríamos prestando nosso serviço de coleta e beneficiamento de sementes”.

Coletores participantes do 8 encontro da Rede de Sementes do Xingu. Fernanda Bellei, ISA

Apoiadores e parceiros
Atualmente, a Rede de Sementes do Xingu conta com diversos apoiadores que apostam no potencial do trabalho e financiam projetos que garantem sua sustentabilidade. Alguns desses parceiros participaram do encontro e explicaram a importância de apoiar uma iniciativa que gera renda a partir da valorização da floresta, como Erika Queiroz, do Fundo Vale. “O Fundo Vale sempre apoia projetos que têm potencial de ganhar escala e beneficiar o maior número possível de pessoas. Vemos este potencial se tornando realidade através da Rede de Sementes do Xingu”. A importância deste benefício social foi reforçado por Paula Ellinger, da Fundação Avina. “Temos aqui pelo menos 300 famílias envolvidas em um trabalho sustentável, que protege o Cerrado e a Amazônia. Temos muito orgulho de poder apoiar uma iniciativa como essa”.

Ingo Isernhagem, da Embrapa Agrosilvipastoril e Natalie Dunck, da Agropecuária Fazenda Brasil (AFB), trabalham diretamente em projetos que envolvem a rede. Natalie coordena os trabalhos de restauração florestal da AFB. “A Brasil tem um termo de ajustamento de conduta para a restauração e áreas degradadas, porém, se não tivéssemos as sementes da rede para comprar, não teríamos como cumpri-lo, pois o plantio com mudas é muito caro”. Ingo, que trabalha em um projeto para a restauração florestal de reservas legais e APPs com o Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações criadoras e animadoras da rede, explica a razão da parceria. “Estamos trabalhando juntos para que o meio ambiente deixe de ser visto como um empecilho e volte a fazer parte do cenário rural”.

Mapa de localização dos municípios onde há coleta de sementes e áreas em processo de restauração florestal. Arquivo ISA.

A Legislação de Sementes
A Legislação de Sementes e Mudas Florestais foi colocadas em discussão entre os coletores, com a participação de um representante da Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Mato Grosso – MAPA, Marcelo Zanconato Pinto. Os coletores questionaram o excesso de burocracia e obrigações colocadas para o produtor de sementes. “É praticamente impossível cumprir todas essas exigências. Essa burocracia torna muito difícil o trabalho do coletor de sementes e do agricultor familiar”, afirmou Ambrósio Pereira Carvalho, do núcleo de coleta de Peixoto de Azevedo.

Para Fátima Pina, o questionamento dos coletores é compreensível. “Existe, realmente, uma exigência excessiva por documentos para o produtor de sementes. Toda essa burocracia é incompatível com a realidade de quem trabalha com sementes florestais para fins de restauração em pequena escala”.

Entre as exigências que poderiam cair, Fátima aponta o pagamento de taxas e o acompanhamento do trabalho por um responsável técnico. Atualmente, está sendo finalizada uma instrução normativa para regularizar a produção e comercialização de sementes florestais nativas e exóticas. Essa instrução, provavelmente, entrará em vigor em agosto.

Próximos Passos
Nicola da Costa, biólogo do ISA e animador da Rede de Sementes do Xingu, conta quais serão os próximos passos para a rede. “Vamos iniciar um trabalho de viabilidade técnica para somar ao plano de negócios e, assim, melhor embasar o rumo a ser tomado. Isso envolverá a melhoria da qualidade das sementes, bem como a adequação a nova instrução normativa para sementes florestais nativas e exóticas. Com isso, a rede buscará traçar seu caminho para a autonomia de uma forma mais segura”.

Outro encaminhamento decidido durante o encontro é o incentivo para uma maior inserção das sementes crioulas, também conhecidas como sementes da roça, da paixão ou da agrobiodiversidade, na rede. A proposta foi discutida em plenária por representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Operação Amazônia Nativa (OPAN), organizações apoiadoras da rede. Ao final do encontro, foi realizada uma grande troca de sementes crioulas e os coletores decidiram organizar novas feiras para a troca e comercialização dessas sementes entre os agricultores familiares.

História da rede
A demanda por sementes nativas para trabalhos de restauração realizados na Bacia do Rio Xingu, em Mato Grosso, no âmbito da Campanha Y Ikatu Xingu, ancorou a Rede de Sementes do Xingu, uma rede de desenvolvimento comunitário que envolve mais de 300 coletores que têm na coleta de sementes uma importante fonte de renda. A rede já destinou 53 toneladas de sementes para a recuperação de áreas degradadas, colaborando para a restauração de mais de dois mil hectares de cerrado e floresta, em pouco mais de quatro anos.

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