Organizações da AXA realizam oficinas de prevenção e combate ao fogo em municípios do eixo da BR-158, em Mato Grosso


Durante 10 dias, técnicos das organizações envolvidas na Articulação Xingu Araguaia (AXA) percorreram 1700 quilômetros e passaram por quatro assentamentos e uma terra indígena desenvolvendo diálogos, articulações e firmando pactos para iniciar processos de prevenção e combate ao uso irracional do fogo

Fernanda Bellei, ISA

Todos os anos, a seca traz prejuízos econômicos e pessoais a milhares de pessoas na região das bacias dos rios Xingu e Araguaia em Mato Grosso. Lavouras, pastos, matas e até casas são consumidas pelas chamas que se propagam rapidamente, com ajuda do vento e da seca. Para enfrentar este problema, as organizações não-governamentais (ONGs) da AXA realizam, anualmente, desde 2008, a Campanha contra o uso irracional do fogo, através de encontros e oficinas que trabalham a conscientização ambiental, abordam técnicas de combate e prevenção ao fogo e as alternativas ao uso deste instrumento em locais estratégicos ao longo do eixo da BR-158. Este ano, as oficinas contaram com a participação de mais de 140 pessoas de quatro assentamentos e de uma terra indígena. Três dos cinco municípios percorridos – Confresa, São Félix do Araguaia e Alto da Boa Vista – estão na lista dos municípios que mais desmatam a Amazônia.

O principal objetivo das oficinas foi firmar pactos para a coordenação e o encaminhamento de soluções, com os direitos e deveres de cada um dos envolvidos, conforme explica Carlos García Paret, coordenador técnico do projeto Disseminando a cultura agroflorestal no Araguaia Xingu PDA/PADEQ, do Instituto Socioambiental (ISA) realizado em parceria com as organizações da AXA. “Nos anos anteriores, a campanha conseguiu colocar a problemática do fogo na opinião pública regional, conseguimos formar brigadas comunitárias em áreas onde as instituições já atuavam plantando árvore e gerando renda da mata em pé. Agora, com a maior presença de iniciativas contra o fogo por parte do IBAMA (Prevfogo), de prefeituras, Ministério Público e outras ONGs, vimos que a nossa melhor contribuição seriano sentido de coordenar, mobilizar e construir estratégias no nível local, onde as organizações da AXA tem uma presença”.

Durante os diálogos, foram abordadas questões como a importância de se buscar oportunidades de aquisição de equipamentos para o combate ao fogo, realização de aceiros, fazer queimadas controladas e a necessidade de regularização dos lotes. Saulo Andrade, biólogo e colaborador das oficinas da AXA desde 2009, destaca a necessidade de se identificar as responsabilidades dentro e fora das comunidades para fazer corretamente os encaminhamentos e saber de quem cobrar as providências na ocorrência de fogo criminoso. “Ter o título da terra é um passo importante para se criar outro tipo de relação com a área trabalhada. Com o título, a responsabilidade é totalmente do dono e ele passa a arcar com os prejuízos causados em seu lote e ao redor”. Saulo é brigadista voluntário e tem mais de 20 anos de experiência com trabalhos relacionados ao fogo.

Saulo Andrade em oficina de prevenção e combate ao fogo no PA Fartura, em Confresa. Foto: Fernanda Bellei

As oficinas contaram com a participação de técnicos da Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), representantes de sindicatos dos trabalhadores rurais, prefeituras e brigadistas do Prevfogo. Também foram coordenadas ações conjuntas com o Ministério Público que desenvolve a campanha “Mato Grosso unido contra as queimadas” com o apoio de outros órgãos.

Alternativas ao uso do fogo
O fogo sempre foi um instrumento importante na lida com a terra. Assim, ao sugerir que os agricultores deixem de usá-lo, é preciso propor alternativas que possam substituí-lo, conforme explica Saulo. “Existe a tradição do uso do fogo para limpar pastos, mas também há alternativas sustentáveis de manejo da terra que implicam o não uso do fogo, como o casadão, que é o nome local usado para os sistemas agroflorestaise a integração lavoura pecuária floresta. Queremos incentivar esse tipo de alternativa”.

Muitas dessas alternativas já são praticadas pelos assentados. No Projeto de Assentamento (PA) Fartura, no município de Confresa, onde foi realizada a primeira oficina, no dia 11 de julho, mora Anastácio Ferreira Alves, que tira seu sustento da terra sem fazer o uso do fogo. Em sua propriedade, é possível encontrar mais de 50 espécies nativas e agrícolas que dividem o mesmo espaço.“Daqui eu consigo tirar meu sustento e alimentar minha família. Não preciso mais usar o fogo, pelo contrário: ele é uma ameaça para tudo o que eu consegui construir aqui”.

Anastácio também é coletor da Rede de Sementes do Xingu há três anos. Em 2010, ele entregou mais de 100 quilos de sementes que nasceram dentro de seu lote e que foram destinadas a projetos de restauração florestal. “Aqui eu tenho cupuaçu, buriti, jatobá, jacarandá… Nem consigo me lembrar de todos os nomes! A natureza nos dá muita riqueza, mas precisamos saber valorizar tudo isso”.

Pedro Mendes, brigadista do Prevfogo, que participou da oficina em Confresa, alertou a comunidade do PA Fartura. “Já estamos no período proibitivo de queimadas. Temos uma brigada aqui em Confresa para atender a comunidade quando o fogo sai de controle, mas o ideal é que vocês estejam unidos e preparem os aceiros para evitar que o fogo chegue até seus lotes”. Este ano, o Ibama formou cinco brigadas nos 25 municipios do eixo da BR 158, ao leste do estado: Confresa, Luciara, São Félix do Araguaia, Nova Nazaré e Cocalinho.

A implantação de sistemas agroflorestais no PA Fartura tem o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das organizações envolvidas na AXA. Claudia Araújo, coordenadora da CPT Araguaia, destaca a importância do trabalho. “Não temos registro de fogo no setor Buriti, onde está o grupo com o qual trabalhamos, no PA Fartura, mas é importante continuar realizando as oficinas para que eles possam continuar prevenindo a entrada de fogo e multiplicar isso em todo assentamento”.

Outras experiências bem sucedidas de aplicação de alternativas ao uso do fogo também estão sendo desenvolvidas no PA Manah, em Canabrava do Norte. Os vizinhos Placides Pereira Lima e João Botelho Moura, conhecido como João Bode possuem agroflorestas em seus lotes. Ambos contam que zelam por suas áreas e tomam os cuidados necessários para impedir que o fogo destrua o que cultivaram, porém, Placides chama atenção para a necessidade de um trabalho mais comunitário. “Hoje sabemos que sozinhos não somos ninguém e não conhecemos nada.Se formos uma comunidade unida,seremos ouvidos e nossas reivindicações serão atendidas”. Ambos participaram da oficina e ajudaram a definir ações e encaminhamentos para prevenção e combate ao fogo no assentamento.

Placides Pereira, morador do PA Manah, em Canabrava do Norte fala sobre as alternativas ao uso do fogo que ele implanta em seu lote. Foto: Fernanda Bellei

História de destruição pelo fogo
No PA Gleba Dom Pedro, município de São Félix do Araguaia, a oficina contou com um grande número de participantes engajados e preocupados com a ameaça do fogo. Diversos produtores familiares perderam suas produções no passado devido à invasão do fogo. Um dele é João Carlos Ferreira dos Santos, conhecido como João da carroça.

João da carroça, do PA Dom pedro, mostra as sementes de baru que irá entregar à Rede de Sementes do Xingu. Foto: Fernanda Bellei

João é coletor de sementes há três anos e, com apoio da Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção (ANSA) e da CPT, cultiva uma agrofloresta de onde tira caju, abacate, acerola, magaba, cupuaçu, pequi e diversos outros frutos para a comercialização in natura e venda para a Fábrica de Polpas Araguaia, iniciativa da ANSA, criada em 2005 em São Félix do Araguaia. Porém, em 2010, sua atividade ficou comprometida com a entrada do fogo em sua propriedade. “Eu só consegui defender meu pomar, todo o resto queimou. Perdi 19 espécies de plantas das quais eu tirava sementes para entregar à rede, toda a mandioca e a cerca de minha propriedade foram queimadas”. Ele explica que foram tempos difíceis para conseguir manter a família. “Perdi 110 quilos de sementes, que iam me render R$ 2 mil. Se não fosse pela aposentadoria da minha esposa, não sei o que faria”.

Hoje, João da carroça se esforça para recuperar sua área consumida pelo fogo e afirma que irá trabalhar para que novos focos de queimada apareçam no assentamento. “Já me perguntaram como eu consigo viver nessa quiçaça (mato). Eu digo que eu vivo dessa quiçaça e irei fazer o que for necessário para proteger meu sustento”.

PA Brasil Novo – união e resultado
O PA Brasil Novo, no município de Querência, foi o assentamento que menos queimou em 2010 na região. Segundo Luciano Eichholz, técnico do ISA que trabalha com a comunidade, só foi registrado um foco de queimada depois da primeira chuva, durante o ano todo. “Os produtores familiares daqui reconheceram o fogo como uma ameaça e se uniram para evitar o aparecimento de focos de queimada”.

A Associação Estrela da Paz, criada pelos assentados, une diversos grupos que produzem frutas para comercialização in natura, para a produção de polpas, coleta de sementes nativas e produção de farinha de mandioca. Como a produção é compartilhada, o cuidado também é comunitário, conforme explica o presidente da associação, Mario Fulanette Filho, conhecido como paulistinha. “Hoje, se o fogo entrar em nossos lotes o prejuízo será muito grande, porque já produzimos muita coisa aqui. Por isso o cuidado é redobrado”.

TI Maraiwatséde
Na Terra Indígena (TI) Maraiwatséde, os índios Xavante dispõem de uma brigada de combate organizada pela ONG Aliança da Terra (AT). Edemar dos Santos Abreu, do comando de operação de brigadas, esteve presente na oficina e explicou que, além de trabalhar na área Xavante, a AT tem uma brigada em Novo Santo Antonio que apaga fogo em mais de 200 fazendas da região que estão no cadastro ambiental ONG. Carlos explica que, para os Xavante, o fogo tem importância cultural, já que é tradicionalmente usado para caçar e para fazer a roça de toco, mas essa prática pode trazer problemas para a comunidade. “O problema é que a área é muito desmatada, é a TI mais desmatada do Brasil devido a implantação da pecuária e da soja que ocupa grande parte do território indígena. Sem floresta e com um clima cada vez mais seco, o uso tradicional do fogo fica inviável”. Durante a oficina, o responsável pela brigada comunitária, Valentim Xavante, junto aos professores, a equipe de fiscalização e os anciões explicaram como é o uso tradicional do fogo e ainda ajudaram a realizar um plano de prevenção e combate ao fogo. Com ajuda das organizações da AXA, os Xavante irão realizar aceiros, preparar sua brigada, levar o assunto para discussão em sala de aula e coordenar melhor as ações no conselho de anciões, chamado “wuarã”.

Secas mais fortes
No ano de 2010, o eixo da 158, no leste de Mato Grosso, foi onde se registrou um dos maiores números de focos de queimada no Brasil, somando-se mais de treze mil focos, na época da seca. De acordo com pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) na revista Science, a seca do ano passado foi a pior dos últimos 100 anos.

Para Carlos, as secas mais severas vêm facilitando a proliferação do fogo. “Em 2010, a perda de umidade da floresta fez com que o fogo queimasse em lugares da Amazônia que nunca haviam queimado antes. Isso é uma prova da mudança do clima”.

Carlos Paret fala sobre os cuidados com o fogo durante oficina realizada no PA Dom Pedro, em São Félix do Araguaia. Foto: Fernanda Bellei

Pactos e encaminhamentos
Diversos encaminhamentos práticos foram estabelecidos pelas próprias comunidades durante as oficinas: a realização de aceiros em cada propriedade e em áreas de interesse comunitário para evitar que o fogo entre nos assentamentos e nos limites da aldeia, a promoção de articulações mais afinadas com as brigadas municipais, aquisição de equipamentos e a realização de mutirões para a construção de abafadores.
Cada comunidade envolvida também definiu osresponsáveis pela proteção de cada setor. Esses moradores estão em pontos estratégicos por isso se tornaram referência na comunidade e poderão ser acessados por telefone caso o fogo esteja chegando.

Articulação Xingu Araguaia
A AXA é uma articulação formada por sete organizações que atuam para enfrentar os problemas socioambientais das bacias do Xingu e do Araguaia: ANSA, ISA, CPT, Associação Terra Viva (ATV), Operação Amazônia Nativa (Opan) e Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad).

Comentar

Seu email nunca será publicado ou distribuído. Campos obrigatórios estão marcados com *

*
*