Sistemas de produção em Reserva Legal são foco de dia de campo em Canarana

Encontro pioneiro promovido pelo ISA, Embrapa, Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Canarana e Pioneer traz à tona um tema tabu para muitos produtores e conta com grande participação da população local.

Por Christiane Peres, ISA

Foi uma das primeiras vezes que um dia de campo deixou de lado apresentações exclusivas sobre soja, gado e milho e trouxe à tona uma discussão pouco usual: produção e conservação em Reserva Legal. O tema, aliás, é um tabu para muitos produtores rurais e está na contramão dos fatos, diante das mudanças no código florestal (saiba mais). Apesar disso, mais de 40 pessoas de Canarana (MT), entre produtores rurais, técnicos de revendedoras de produtos agrícolas e de instituições de pesquisa e ensino participaram do primeiro dia de campo promovido pelo ISA, pela Embrapa Agrossilvipastoril, Secretaria de Agricultura de Canarana e Pioneer, no dia 1º de junho, na fazenda Nova Esperança.

Ingo Isernhagen fala sobre experimento na Fazenda Angaiá. Foto: Diogo Alves/Embrapa Agrossilvipastoril.

“Como o tema é novo foi possível notar que o público ainda estava tímido em relação ao detalhamento operacional de implantação e manejo da Reserva Legal restaurada. Mas teve um crescente interesse na área visitada, quando o pessoal foi reconhecendo espécies que normalmente são encontradas na região, mas que nunca foram vistas como algo que pode dar retorno econômico”, afirma Ingo Isernhagen, biólogo, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril e coordenador do projeto apresentado no encontro.

A ideia era mostrar a viabilidade da restauração e do uso econômico da Reserva Legal nas propriedades rurais. Um experimento pioneiro em Mato Grosso vem sendo implantado desde o final do ano passado pela Embrapa em parceria com o ISA na fazenda Angaiá, em Canarana (saiba mais). Em dezembro de 2011 foram plantados 14 hectares, utilizando 16 espécies nativas de uso econômico e que contribuirão para a restauração ecológica da área, conciliando conservação e produtividade. “Os modelos implantados visam testar diferentes arranjos de espécies nativas e exóticas, e também comparar as técnicas de plantio. Nesse caso, o plantio convencional de mudas e a semeadura direta mecanizada”, explica Natalia Guerin, bióloga e coordenadora de restauração florestal no ISA.

Tratamento experimental com plantio de mudas de espécies nativas em consórcio com eucaliptos. Foto: Ingo Isernhagen/Embrapa Agrossilvipastoril.

Com apenas seis meses, o experimento vem se desenvolvendo de forma satisfatória. “Muitas espécies despontaram nesse primeiro momento, como a exótica eucalipto, mas também as nativas mutambo, timboril e mamoninha que, não por acaso, foram escolhidas justamente para crescer rapidamente e ajudar na criação de condições para o desenvolvimento da comunidade vegetal que será futuramente explorada”, relata Isernhagen.

Os valores de retorno apresentados pela Embrapa, apesar de conservadores, já apontaram um cenário interessante para os produtores participantes do dia de campo. De acordo com Ingo Isernhagen, um modelo de plantio utilizando somente espécies nativas pode atingir até R$ 15 mil por hectare, levando-se em conta somente a extração de madeira para lenha e tora. Esse valor pode subir para R$ 350 mil por hectare com a inclusão do mogno africano no sistema.

“Temos que considerar também que leva tempo para obter essa renda pelo manejo da madeira. Em alguns casos até uns 20 anos. Mas no cenário mais conservador, temos um valor de aproximadamente R$ 750 por hectare por ano com potencial de exploração, sem contar os produtos não madeireiros, apicultura e turismo rural. Mas é tudo muito novo. É preciso paciência, investimentos, parcerias e geração de demandas, aliada à melhoria da infraestrutura logística para produção, comercialização e fomento à atividade de manejo da vegetação nativa, além de muita comunicação para fazer essas informações chegarem aos grandes centros consumidores”, destaca.

Técnicos do ISA instalando parcelas permanentes para monitoramento de tratamento experimental de semeadura direta a lanço. Foto: Ingo Isernhagen/ Embrapa Agrossilvipastoril.

Saulo Cunha, proprietário da fazenda não parece preocupado com o tempo de retorno e está animado com o desenvolvimento da área. “Fico agradecido por participar de um projeto de vanguarda como este. O experimento está sendo desenvolvido com seriedade e comprometimento e acredito que os resultados que teremos mais pra frente serão, no mínimo, muito interessantes para a gente e para os demais produtores interessados. E tenho que admitir que o dia de campo superou minhas melhores expectativas, pois sabemos a resistência que os atores do agronegócio possuem com relação a este tema”, comenta.

Reserva Legal, o novo código e a recuperação de áreas degradadas

Se antes Reserva Legal era uma área obrigatória em toda propriedade rural, o texto atual vigente enfraquece este instrumento de proteção ambiental. Apesar de mantidos os percentuais de preservação por bioma, como no antigo texto, o novo código anistia proprietários de até quatro módulos que desmataram a área até 2008. O texto ainda não está definido e pode sofrer alterações no Congresso até outubro deste ano.

“Se com o antigo código florestal, praticamente não existia produtores que recuperavam reservas legais, com as mudanças o desafio passa a ser ainda maior. É fundamental ter pesquisas e iniciativas que mostrem que plantar florestas pode ser vantajoso economicamente e esse trabalho de sistemas de produção em Reserva Legal é um importante começo”, afirma Rodrigo Junqueira, coordenador adjunto do Programa Xingu, do ISA.

Participantes do dia de campo vão conferir de perto experimento em Reserva Legal. Foto: Natalia Guerin/ISA

Além do experimento em Reserva Legal, a fazenda de Saulo Cunha integra os projetos de recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) encabeçados pela Campanha Y Ikatu Xingu e pelo Programa Aroeira, da prefeitura de Canarana. Na beira da represa da propriedade foi feita uma área com semeadura direta mecanizada. “Quando eu fui recuperar essa área fiquei preocupado, porque é um pedaço relativamente grande e os custos seriam altos. Foi quando conheci o trabalho do ISA, com a muvuca de sementes, e também me explicaram da parceria com a prefeitura onde eu poderia adquirir mudas para as áreas em que fosse melhor o plantio com elas. Em quase dois dias de trabalho nós plantamos seis hectares de floresta. Se eu fosse fazer isso só com muda, acho que até hoje eu estaria plantando”, diz Saulo.

O trabalho de plantio mecanizado de sementes teve início com as atividades da Campanha Y Ikatu Xingu, para recuperação das nascentes e matas ciliares na Bacia do Rio Xingu. Hoje, depois de oito anos de campanha, mais de 2,5 mil hectares estão em processo de recuperação da vegetação nativa, numa das maiores experiências de restauração da Amazônia.

Eliane Felten fala sobre Programa Aroeira. Foto: Natalia Guerin/ISA.

Além do plantio mecanizado, desde 2004, o ISA estabeleceu parcerias com a prefeitura de Canarana para incentivar os trabalhos de restauração ecológica na região. Mas o trabalho conjunto foi formalizado só em 2011, por meio do Programa Aroeira, que conta com a adesão voluntária de 35 produtores rurais da cidade mato-grossense. “Começamos engatinhando junto com o ISA nessa proposta de recuperar áreas degradadas, mas já instalamos algumas pequenas áreas de recuperação com os produtores”, comenta a secretária de Agricultura de Canarana, Eliane Felten (saiba mais).

O grupo foi ainda a uma estação da Pioneer para apresentação de boas práticas do milho safrinha. A expectativa é que o evento volte a acontecer na região, desmistificando a Reserva Legal e mostrando que é possível produzir, respeitando as áreas legalmente protegidas.

O evento faz parte das ações do projeto “Preparando o Brasil para o Redd”, que conta com a participação da TNC (The Nature Conservancy), Instituto Socioambiental (ISA), ICV (Instituto Centro de Vida), Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e Fundo para Defesa Ambiental (EDF). O projeto tem apoio da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).

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