Comissão aprova relatório sem novas alterações, mas ruralistas prometem contra-ataque
Publicado:julho 13, 2012
Texto é aprovado com margem razoável de votos, mas ruralistas podem obstruir votação de emendas, marcada para agosto, e prometem aumentar a pressão por mais concessões
Por Oswaldo Braga de Souza, ISA
A comissão mista do Congresso que analisa a MP (Medida Provisória) do Código Florestal aprovou ontem o texto do relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), por 16 votos a favor e quatro obstruções.
Os 343 destaques deverão ser apreciados na primeira semana de agosto, depois do recesso parlamentar que começa na próxima semana.
A votação terminou depois de uma sessão conturbada, marcada por aparente racha entre os ruralistas. Liderados pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), os representantes do agronegócio na Câmara tentaram impedir a aprovação do projeto com sucessivas manobras regimentais que prolongaram os debates por mais de seis horas.
“O Senado fez um acordo com o governo e nós não aceitamos esse acordo”, disse o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR). Ele reclamou que Luiz Henrique não teria acatado as propostas dos ruralistas da Câmara.
Lupion apresentou um parecer alternativo, espécie de manifesto dos deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária. O documento retoma pontos do projeto aprovado pela Câmara, no início do ano passado, não incorporados à MP ou à lei já sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Estabelece, por exemplo, que os estados, e não uma lei federal, fixem os parâmetros mínimos das APPs (Áreas de Preservação Permanente).
Todos os senadores da comissão votaram a favor do texto de Luiz Henrique, incluindo a presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), Kátia Abreu (PSD-TO). As quatro obstruções foram de deputados: além de Caiado e Lupion, Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Giovanni Queiroz (PDT-PA).
“Parte dos representantes do agronegócio não está satisfeita com a lei e MP, que atende a 90% de suas demandas. Esses são insaciáveis, querem levar 100%. Não vão descansar enquanto não eliminarem qualquer resquício de controle ambiental”, analisa Raul Silva Telles do Valle, do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA.
A votação na comissão chegou a ser ameaçada. Mais alinhados ao governo, os senadores costuraram um acordo para garantir que o parecer fosse apreciado antes do recesso e apenas com mais duas modificações em relação ao texto apresentado no dia anterior (saiba mais).
Cômputo de RL e APP
Luiz Henrique retirou do projeto a possibilidade de que os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente definam novos casos, além dos previstos na lei, em que a APP poderá ser computada na RL (Reserva Legal).
O mecanismo abria brechas para redução da obrigação de recuperar áreas desmatadas, mas, segundo ruralistas, também para mais restrições ao desmatamento.
Ronaldo Caiado liderou ruralistas da Câmara
O relator também incluiu no texto a garantia de que os produtores rurais possam desmatar, na Floresta Amazônica, até 20% da propriedade caso a soma da APP e da RL ultrapasse 80% da área; e de que, em outras regiões do País, possam abrir pelos menos metade da propriedade se esse cômputo ultrapassar 50%.
O relatório limita ainda mais a restauração de florestas, ao incluir um mecanismo pelo qual a recuperação de APPs ficará limitada a no máximo 25% de propriedades que tenham entre quatro e dez módulos fiscais. (O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, dependendo da região).
Também mantém o limite de cinco anos e de 25% da propriedade para o pousio – interrupção temporária da atividade produtiva durante a qual uma área em regeneração pode ser desmatada.
Segundo o texto aprovado, os produtores rurais que não aderirem ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) dentro de cinco anos perderão o acesso ao crédito agrícola, só que não precisarão comprovar que já estão seguindo a lei, mas apenas que já estão cadastrados.
Depois de aprovada na comissão, o projeto segue para os plenários da Câmara e do Senado. Se for modificado neste último, retorna à Câmara.
O governo corre contra o tempo. A MP perde a validade em outubro e, se isso ocorrer, para impedir um vácuo legal, a alternativa seria apresentar uma nova MP, mas a lei determina que isso só pode ser feito no ano que vem.
No segundo semestre, por causa da campanha eleitoral as votações no Congresso ficarão limitadas a algumas semanas intercaladas, entre agosto e outubro.
“A chance da MP não ser votada e caducar é grande. As eleições e a falta de interesse dos ruralistas concorrem para isso”, avalia Raul do Valle. Segundo ele, o Planalto sabia do risco quando optou por editar uma MP para sanar as lacunas deixadas pela sanção parcial da presidenta Dilma ao projeto da Câmara que revogou o antigo Código Florestal.
“Se tivesse feito a coisa certa e vetado as anistias contidas no projeto e resposto o assunto de forma mais razoável por outro projeto, teria lastro para negociar. Agora, se a MP cair, vão sumir as poucas garantias que tentam amenizar os efeitos nefastos da lei já aprovada”, conclui.
Relatório deve piorar
Em meio a uma sessão cansativa, uma pausa para reflexão. Senadora Kátia Abreu
As alterações de Luiz Henrique (todas para atender os ruralistas) não foram muito grandes em relação ao texto da MP – já muito ruim para a conservação. A perspectiva, no entanto, é que o relatório seja piorado.
O documento foi aprovado com boa margem de votos, mas, no início da sessão, faltou um voto para que o quórum mínimo de votação caísse. É possível que os ruralistas consigam obstruir a próxima votação.
“Teremos muita dificuldade em agosto, com 300 destaques para serem votados sem que tenhamos voto”, lamentouo senador Jorge Viana (PT-AC). “Agora virão as propostas mais absurdas contra o meio ambiente e o consenso que tivemos aqui”.
Viana classificou os ruralistas da Câmara de “radicais” e admitiu que o governo tem parte da responsabilidade pelas dificuldades na votação. “Acho que o governo bobeou um pouco na hora da escolha dos componentes dessa comissão”.
O senador disse que os ambientalistas ausentaram-se da discussão da MP e cobrou sua mobilização para impedir que o texto de Luiz Henrique seja desfigurado.
“Existem muitos destaques que repõem o tema da anistia e a possibilidade de não conservar as APPs”, alertou o deputado Bohn Gass (PT-RS), presidente da comissão mista.
Os deputados ruralistas saíram da comissão prometendo uma revanche, confiando na maioria que têm no plenário da Câmara, onde o governo já perdeu em duas votações sobre o assunto.
Caiado negou que a votação de ontem tenha sido uma derrota. “Isso aqui é um treino. O jogo principal é lá no plenário da Câmara”, advertiu.
Comissão aprova relatório sem novas alterações, mas ruralistas prometem contra-ataque
Texto é aprovado com margem razoável de votos, mas ruralistas podem obstruir votação de emendas, marcada para agosto, e prometem aumentar a pressão por mais concessões
Por Oswaldo Braga de Souza, ISA
A comissão mista do Congresso que analisa a MP (Medida Provisória) do Código Florestal aprovou ontem o texto do relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), por 16 votos a favor e quatro obstruções.
Os 343 destaques deverão ser apreciados na primeira semana de agosto, depois do recesso parlamentar que começa na próxima semana.
A votação terminou depois de uma sessão conturbada, marcada por aparente racha entre os ruralistas. Liderados pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), os representantes do agronegócio na Câmara tentaram impedir a aprovação do projeto com sucessivas manobras regimentais que prolongaram os debates por mais de seis horas.
“O Senado fez um acordo com o governo e nós não aceitamos esse acordo”, disse o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR). Ele reclamou que Luiz Henrique não teria acatado as propostas dos ruralistas da Câmara.
Lupion apresentou um parecer alternativo, espécie de manifesto dos deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária. O documento retoma pontos do projeto aprovado pela Câmara, no início do ano passado, não incorporados à MP ou à lei já sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Estabelece, por exemplo, que os estados, e não uma lei federal, fixem os parâmetros mínimos das APPs (Áreas de Preservação Permanente).
Todos os senadores da comissão votaram a favor do texto de Luiz Henrique, incluindo a presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), Kátia Abreu (PSD-TO). As quatro obstruções foram de deputados: além de Caiado e Lupion, Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Giovanni Queiroz (PDT-PA).
“Parte dos representantes do agronegócio não está satisfeita com a lei e MP, que atende a 90% de suas demandas. Esses são insaciáveis, querem levar 100%. Não vão descansar enquanto não eliminarem qualquer resquício de controle ambiental”, analisa Raul Silva Telles do Valle, do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA.
A votação na comissão chegou a ser ameaçada. Mais alinhados ao governo, os senadores costuraram um acordo para garantir que o parecer fosse apreciado antes do recesso e apenas com mais duas modificações em relação ao texto apresentado no dia anterior (saiba mais).
Cômputo de RL e APP
Luiz Henrique retirou do projeto a possibilidade de que os Conselhos Estaduais de Meio Ambiente definam novos casos, além dos previstos na lei, em que a APP poderá ser computada na RL (Reserva Legal).
O mecanismo abria brechas para redução da obrigação de recuperar áreas desmatadas, mas, segundo ruralistas, também para mais restrições ao desmatamento.
Ronaldo Caiado liderou ruralistas da Câmara
O relatório limita ainda mais a restauração de florestas, ao incluir um mecanismo pelo qual a recuperação de APPs ficará limitada a no máximo 25% de propriedades que tenham entre quatro e dez módulos fiscais. (O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, dependendo da região).
Também mantém o limite de cinco anos e de 25% da propriedade para o pousio – interrupção temporária da atividade produtiva durante a qual uma área em regeneração pode ser desmatada.
Segundo o texto aprovado, os produtores rurais que não aderirem ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) dentro de cinco anos perderão o acesso ao crédito agrícola, só que não precisarão comprovar que já estão seguindo a lei, mas apenas que já estão cadastrados.
Depois de aprovada na comissão, o projeto segue para os plenários da Câmara e do Senado. Se for modificado neste último, retorna à Câmara.
O governo corre contra o tempo. A MP perde a validade em outubro e, se isso ocorrer, para impedir um vácuo legal, a alternativa seria apresentar uma nova MP, mas a lei determina que isso só pode ser feito no ano que vem.
No segundo semestre, por causa da campanha eleitoral as votações no Congresso ficarão limitadas a algumas semanas intercaladas, entre agosto e outubro.
“A chance da MP não ser votada e caducar é grande. As eleições e a falta de interesse dos ruralistas concorrem para isso”, avalia Raul do Valle. Segundo ele, o Planalto sabia do risco quando optou por editar uma MP para sanar as lacunas deixadas pela sanção parcial da presidenta Dilma ao projeto da Câmara que revogou o antigo Código Florestal.
“Se tivesse feito a coisa certa e vetado as anistias contidas no projeto e resposto o assunto de forma mais razoável por outro projeto, teria lastro para negociar. Agora, se a MP cair, vão sumir as poucas garantias que tentam amenizar os efeitos nefastos da lei já aprovada”, conclui.
Relatório deve piorar
Em meio a uma sessão cansativa, uma pausa para reflexão. Senadora Kátia Abreu
O documento foi aprovado com boa margem de votos, mas, no início da sessão, faltou um voto para que o quórum mínimo de votação caísse. É possível que os ruralistas consigam obstruir a próxima votação.
“Teremos muita dificuldade em agosto, com 300 destaques para serem votados sem que tenhamos voto”, lamentouo senador Jorge Viana (PT-AC). “Agora virão as propostas mais absurdas contra o meio ambiente e o consenso que tivemos aqui”.
Viana classificou os ruralistas da Câmara de “radicais” e admitiu que o governo tem parte da responsabilidade pelas dificuldades na votação. “Acho que o governo bobeou um pouco na hora da escolha dos componentes dessa comissão”.
O senador disse que os ambientalistas ausentaram-se da discussão da MP e cobrou sua mobilização para impedir que o texto de Luiz Henrique seja desfigurado.
“Existem muitos destaques que repõem o tema da anistia e a possibilidade de não conservar as APPs”, alertou o deputado Bohn Gass (PT-RS), presidente da comissão mista.
Os deputados ruralistas saíram da comissão prometendo uma revanche, confiando na maioria que têm no plenário da Câmara, onde o governo já perdeu em duas votações sobre o assunto.
Caiado negou que a votação de ontem tenha sido uma derrota. “Isso aqui é um treino. O jogo principal é lá no plenário da Câmara”, advertiu.